Tecnologia e Fiagro como alavancas do agro

Por Octaciano Neto

  • Brasil já se consolidou como potência do agronegócio mundial.

  • Agora, país vive construção de um novo paradigma para os negócios no campo.

  • Essa etapa adiciona às alavancas já estabelecidas tecnologias inovadoras e sofisticação no acesso ao mercado de capitais.  

O agronegócio brasileiro passou por enormes transformações desde o início da década de 1970. Nesse período, deixamos de ser importadores líquidos de alimentos para nos tornarmos, atualmente, o principal exportador líquido nesse setor, superando com folga os Estados Unidos. 

Os excedentes exportados pelo Brasil alimentam mais de 1 bilhão de pessoas no mundo, e o conjunto do agronegócio corresponde a 25% do PIB (Produto Interno Bruto) brasileiro. “A ascensão do Brasil como potência agrícola é um dos eventos mais importantes na história do mundo moderno” (KLEIN e LUNA, 2020, p.19).  

Mas a produção rural brasileira não é homogênea. O pesquisador Eliseu Alves, da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária), resume bem a nossa diversidade produtiva: “De grandes dimensões (milhões de produtores e unidades de produção), o mundo rural é extremamente diversificado – desde sistemas de produção tecnologicamente próximos do Neolítico até os mais modernos e tecnificados do planeta. Nos últimos 50 anos, o mundo rural brasileiro viveu e vive grandes transformações econômicas, sociais e tecnológicas. E gerou novos favorecidos e desfavorecidos.” 

Hoje, temos pouco mais de 5 milhões de propriedades no Brasil. Destas, 9,2% produzem 85% do VBPA (valor bruto da produção agropecuária) do país. Assim, podemos afirmar duas verdades complementares: 1) O Brasil é a grande potência do agronegócio mundial. 2) A grande maioria dos produtores rurais brasileiros está fora desse “jogo”. 

Essa transformação foi puxada por três alavancas: biologia, química e mecanização. Pode ser considerado o “velho paradigma” a combinação e a revolução destas três áreas de conhecimento. E o que seria o novo paradigma? A combinação do velho paradigma com as alavancas digitais e o mercado de capitais – principalmente o Fiagro. Aqui, vale um registro. Não existe exclusão do velho paradigma, mas uma combinação dele com as novas alavancas, que por consequência formam esse “novo paradigma”. 

Olhando para o futuro, novas alavancas trarão um salto de produtividade ao agronegócio brasileiro. Na EloGroup, chamamos “Digital Levers” (ou “alavancas digitais”) tecnologias como inteligência artificial e analytics, hiperautomação – ferramentas de robotização e gerenciamento de processos conhecidas pelas siglas RPA e BPMS –, precificação dinâmica, força de vendas digitalizada, Internet das Coisas, blockchain, entre outras. Não é mais sobre olhar para um negócio e buscar formas de agregar o digital para transformá-lo, e sim trazer o digital para o centro – pensar o negócio a partir dessa “lente”. 

O digital no agro

No contexto de tecnologias digitais, há uma verdadeira explosão de agtechs – startups focadas em soluções para o campo. E muitas delas já nascem olhando para o agronegócio com as “lentes” do digital. O recente estudo Radar Agtech Brasil identificou 1574 agtechs no Brasil; 40% a mais do que 2019. 

Os exemplos são muitos, como o da Agrosmart. No velho paradigma, o produtor rural interpreta a umidade do solo por intuição, no “bico da bota”, como se costuma falar. Ele define assim a necessidade da planta, se vai irrigá-la e quanta água irá usar. Dentro do contexto do novo paradigma, a Agrosmart utiliza sensores para monitorar a planta; assim, coleta “dados confiáveis do microclima” e utiliza ainda “imagens de satélite, gerando recomendações sobre quando e quanto irrigar”. 

Entra aqui um outro conceito contemporâneo, que é o de tomar decisões “data driven”, ou seja, baseadas em dados, e não mais na intuição, a partir da experiência individual de cada produtor. 

Estima-se que o uso de tecnologias digitais diminuirá em até 30% o custo de aplicação de herbicidas, por exemplo. Hoje, a aplicação desses produtos ocorre numa mesma quantidade em todas as plantas, de talhão. Com o digital, a aplicação passa a ser por necessidade individual, o que garante a otimização do processo, e a redução de custos por consequência. 

Financiamento inteligente 

Outra alavanca desse novo paradigma é a consolidação do mercado de capitais como financiador do agronegócio brasileiro. O primeiro mecanismo oficial de financiamento rural no Brasil foi criado em 1931, pelo Banco do Brasil e o já extinto Departamento Nacional do Café. Durante muitas décadas, o setor público foi o principal financiador do agronegócio. Mas isso, aos poucos, se transformou, em especial nos últimos 25 anos. Hoje, a carteira de crédito agrícola no Brasil é de R$ 750 bilhões, sendo um terço subsidiado pelo governo federal, via Plano Safra. 

Agora, com a aprovação do Fiagro, no primeiro semestre deste ano, começa a ser escrito um novo capítulo do financiamento privado ao agro no Brasil, via mercado de capitais. O Fiagro é polivalente. Ele permite investimento imobiliário em fazendas, em atividades operacionais, em direitos creditórios, dívidas em geral, além de participação acionária em empresas, entre muitas outras possibilidades 

Para se ter uma ideia do tamanho dessa oportunidade, o valor patrimonial das terras efetivamente utilizadas para produção agropecuária brasileira – 256 milhões de hectares, ou cerca de 30,2% de todo o território nacional – é de cerca de R$ 6 trilhões. 

Ao olhar para o mercado de FIIs (fundos de investimentos imobiliários), é possível compreender o futuro dos Fiagros. Existem mais de 300 FIIs registrados na B3, a bolsa de valores de São Paulo, com quase 1,5 milhão de pessoas físicas com investimentos em 73% das cotas existentes. O valor patrimonial destes fundos já ultrapassa R$ 120 bilhões.  

Segurança alimentar 

No mundo, mais de 1 bilhão de pessoas ainda passam fome. Até 2050, a população deve passar de 7,5 bilhões para 10 bilhões de pessoas. Precisamos, portanto, incluir e garantir a segurança alimentar de 3,5 bilhões nos próximos 30 anos. 

Agora, considere o volume de comida que será necessário produzir. Isso provavelmente sem a expansão de fronteiras agrícolas. Assim, o que se faz necessário é mais um gigantesco salto em produtividade. Dessa vez, não apenas sustentado pelos avanços da química, biologia e mecanização, mas a partir da combinação das antigas com as novas alavancas. É uma nova revolução no campo. 

 

OCTACIANO NETO é  diretor de Agronegócio na EloGroup 

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