Web3, buzzword ou futuro da internet?

Por EloInsights

  • Empreendedores, analistas e investidores de risco apontam para o surgimento de uma nova etapa na história da internet, e já a chamam de web3. 
  • Na visão deles, essa nova fase da rede será marcada por um forte movimento de descentralização de poder, em direção ao usuário, e não mais aos gigantes do Vale do Silício. 
  • Nova estrutura seria viabilizada por blockchain e tokens de governança, mas críticos questionam o discurso e o quão descentralizada é a web. 

Assim como as eras geológicas são utilizadas para delimitar grandes períodos do planeta Terra, uma caracterização semelhante vem sendo usada por empreendedores, especialistas e pela mídia para recortar (e compreender) a história de uma das principais invenções da humanidade: a Internet. 

As diferenças são óbvias: os ciclos da web são incomparavelmente mais curtos, até por conta da forma como ela mesma vem acelerando o ritmo da inovação nas últimas três décadas. Essas divisões temporais informais – já que não há qualquer marco oficial que as delimite – dizem respeito à maneira como essa tecnologia revolucionária impactou a sociedade em diferentes etapas de sua evolução enquanto plataforma de comunicação planetária capaz de aproximar milhões de pessoas por meio de uma intrincada rede de cabos, servidores, computadores pessoais e smartphones, entre outros dispositivos. Ela maximizou a velocidade das comunicações, das transações – sejam financeiras ou sociais –, assim como o fluxo e a circulação de cultura, obras de arte, música, livros… 

Nesse contexto, há quem argumente que, se compararmos a história da Internet a uma tragédia aristotélica, estaríamos entrando agora no terceiro (mas certamente não derradeiro) ato, e um novo termo já foi até cunhado: web3. Uma nova etapa marcada por uma tendência à descentralização do poder de decisão sobre o funcionamento da rede, que deixa de estar totalmente concentrado nas gigantes empresas de tecnologia, além de órgãos regulatórios, e passa a circular também em organizações autônomas descentralizadas governadas por tokens digitais registrados na blockchain e operados por meio de contratos inteligentes.  

Dentro dessa nova proposta, a blockchain funcionará como uma importante espinha dorsal da infraestrutura que permitirá o funcionamento de novos dapps (apps descentralizados), assim como tokens nela registrados. Entram aí os NFTs e as finanças abertas (DeFi).  

De acordo com números levantados pelo Pitchbook, uma empresa especializada na análise de dados do mercado de capitais, e repercutidos pelo jornal The New York Times, somente no ano passado investidores de risco investiram cerca de US$ 27 bilhões, cerca de R$ 140 bilhões, em projetos relacionados a criptomoedas e blockchain, mais do que nos dez anos anteriores somados.  

Esse mesmo fenômeno levou também alguns a olhar para essa onda da web3 como fogo de palha – uma buzzword usada por investidores para alavancar seus próprios negócios. Jack Dorsey, cofundador e ex-CEO do Twitter, rede que ironicamente tem sido pioneira ao adotar algumas dessas iniciativas, passou a atacar sistematicamente o conceito, depois de ter abandonado o posto de executivo-chefe da rede social. Ele afirma que de descentralizada a web3 não tem nada, e é apenas uma fachada para os VCs (Venture Capital) lucrarem mais.  

Mas, afinal, o que está por trás da web3? Ela é mesmo o início de uma nova era para a Internet, mais descentralizada e com maior poder para o usuário? Ou apenas uma moda que não muda significativamente a atual arquitetura da web? Neste artigo do EloInsights, exploramos algumas das questões que permeiam a discussão em torno da web3, citando casos de uso, e ainda explicamos quais são os pontos de crítica vocalizados por gente como Dorsey e Elon Musk. 

Como chegamos até aqui

Se vamos falar sobre web3, é necessário lembrar o que veio antes dela. Como já foi dito, não há marcos oficiais que delimitam esses períodos, mas há um consenso sobre quais características definiram cada uma das duas primeiras fases que serão descritas a seguir. Sobre como a web se estruturou em diferentes estágios, mas também como os usuários a utilizaram ao longo das décadas:  

Imagem de um cabo de internet
Web 1.0: surgimento e explosão

Apesar de a internet ter raízes ainda nos anos 1960, em instituições militares como a DARPA [Agência da Defesa para Pesquisa Avançada de Projetos dos Estados Unidos], no contexto dos esforços para conectar grupos científicos por meio de redes de computadores, o ano de 1983 é tido como marco nessa história pois foi a primeira vez que se estabeleceu um protocolo que seria capaz de padronizar essas comunicações. Nascia o protocolo TCP/IP, ainda amplamente utilizado nos dias de hoje. 

Mas foi no final dos anos 1980 que o cientista britânico Tim Berners-Lee, dentro do Instituto CERN (Organização Europeia para Pesquisas Nucleares) na Suíça, estabeleceu a estrutura da World Wide Web, um sistema projetado para conectar laboratórios de diferentes institutos científicos ao redor do mundo, por meio de uma rede de hiperlinks (os mesmos que usamos até hoje, neste artigo, por exemplo) que interligavam documentos hospedados em um servidor. Esse foi o paradigma da primeira etapa da internet, quando a relação era bidirecional, entre um prestador de serviços online – como um portal de conteúdo, outro símbolo dessa época – e seu consumidor. 

Com um sistema capaz de ligar diferentes documentos online, acessíveis por usuários sob demanda mesmo quando estivessem do outro lado do planeta, a World Wide Web permitiu que uma geração de empreendedores pudesse lançar seus próprios negócios baseados nessa plataforma. Começou aí a corrida do ouro que também caracterizou a primeira etapa da web. A febre das empresas pontocom. 

Nesse contexto surgiram importantes organizações que até hoje têm uma forte presença em nossa vida online cotidiana, como os buscadores, que surgiram para responder a um problema que era o de encontrar os documentos disponíveis nessa rede mundial. Antes você precisaria ter o endereço correto para conseguir acessar determinada página. Depois do surgimento de Yahoo, Google, entre outros, tornou-se possível digitar palavras-chave que traziam resultados que os mecanismos de busca armazenavam em seus catálogos. 

Outras empresas utilizaram essa oportunidade para lançar iniciativas de comércio eletrônico. Por meio da web, usuários poderiam fazer os seus pedidos de produtos em páginas configuradas com essa finalidade. Surge aí o império da Amazon, que inicialmente vendia apenas livros, pois esta era a categoria de produtos com maior variedade de itens que o fundador Jeff Bezos conseguiu então encontrar, conforme conta o livro A Loja de Tudo, de Brad Stone.  

A fase 1 da web termina em torno do final dos anos 1990 e da virada dos anos 2000, tempos do infame “bug do milênio”, do ataque terrorista às Torres Gêmeas em Nova York e também do grande Crash das empresas pontocom, que quebrou inúmeras startups e a ingenuidade que girava em torno desse mercado na época. Ficaram os projetos com sólida proposta de valor. Ao mesmo tempo, esta quebra abriu espaço para uma nova leva de empreendedores jovens dispostos a utilizar a estrutura da internet e os aprendizados com os erros do passado para lançar a próxima geração de inovações. 

Web 2.0

A web 2.0 foi marcada pelo surgimento de uma série de aplicações online que mudaram a forma como os usuários interagiam na internet. A relação deixou de ser bidirecional, apenas, e passou a fluir em múltiplas direções, de um ponto a muitos e vice-versa. São os anos das redes sociais digitais, que conectaram milhões nessa rede de troca constante de publicações com texto, imagem e vídeo.  

Nesta nova fase, o usuário também se tornou um criador de conteúdo, graças a plataformas como o MySpace, lançado em 2003, que foi por anos o símbolo de sucesso da web 2.0, ao permitir que músicos e bandas fizessem o upload de suas músicas gratuitamente num esquema em que usuários podiam seguir os seus artistas favoritos e dessa maneira ouvir seus últimos lançamentos, descobrir talentos, e até interagir com eles enviando mensagens privadas ou públicas.  

O termo “rede social” foi definidor para esse período. Aqui no Brasil, vivemos o fenômeno do Orkut, lançado em janeiro de 2004, a primeira rede a conectar em massa o público brasileiro. O site, que nasceu como um projeto paralelo de um desenvolvedor do Google, virou fenômeno cultural de massa, e só perdeu espaço com a chegada de outro gigante, que ampliaria ainda mais esse efeito: o Facebook, criado por um jovem Mark Zuckerberg em seu dormitório na Universidade de Harvard. Outras ferramentas como o Twitter também marcaram esse período, que viu o fortalecimento dessas mesmas companhias. Assim como na fase anterior, suas aberturas de capital estrondosas criaram novos bilionários e formaram verdadeiros monopólios da tecnologia situados na estreita geografia do Vale do Silício, nos Estados Unidos.  

Em seu livro De Zero a Um, o empreendedor Peter Thiel, cofundador do PayPal e até pouco tempo membro do conselho do Facebook, deixa clara a estratégia que ele enxerga como vitoriosa para essas startups: crie um monopólio em torno de uma inovação única, e você sairá vencedor. Essa característica centralizadora tornou-se chave na crítica dos atuais proponentes da web3. 

Web3?

Em 2014, dez anos após o lançamento do Facebook, o cientista da computação Gavin Wood fez uma proposta para o que ele enxerga como o surgimento de uma nova era para a Internet. Foi neste ano que ele cunhou o termo web3, que, desde 2020, no contexto da explosão do mercado de NFTs e de apps descentralizados, tem sido usado com mais frequência na mídia especializada e dentro do círculo de desenvolvedores ligados às criptomoedas e protocolos de blockchain.  

Wood é cofundador da rede Ethereum, que viabiliza, por meio de registros em uma blockchain, a manutenção de contratos inteligentes, que estão no coração da proposta dessa nova “versão” da internet. Segundo Wood, a situação atual, de controle da infraestrutura da rede em torno de um punhado de grandes corporações, tornou-se insustentável, como visto em casos como o da Cambridge Analytica, empresa de estratégia política que enganou o Facebook, obteve dados de milhões de usuários e assim conseguiu influenciar as eleições dos Estados Unidos que elegeram Donald Trump com estratégias de marketing digital focalizado. 

“Nós precisamos ir além do atual modelo”, disse Wood em uma entrevista recente à revista Wired. “Infelizmente, a web 2.0 ainda existe em um formato que é muito centralizado.”  

Wood propõe que por meio do uso da tecnologia de blockchain, uma nova geração de apps descentralizados possa surgir, e as informações não mais fiquem armazenadas na estrutura das gigantes do Vale do Silício. Nos dapps (decentralized apps), as regras de funcionamento podem ser estabelecidas pelos próprios usuários, por meio de tokens de governança. O poder de decisão flui em direção aos usuários. Além disso, uma série de inovações pode ser destravada a partir da integração desses serviços com a blockchain, como veremos a seguir. Mas como isso acontece na prática? 
 

Um cabo com as pontas desfiadas.

A tecnologia por trás da mudança

A blockchain foi proposta pela primeira vez em uma dissertação do especialista em criptografia David Chaum, em 1982. Mas, ainda que existisse há décadas como conceito, foi apenas depois da sua utilização como infraestrutura básica daquela que hoje é a maior moeda digital que ela realmente se tornou popular em todo o mundo. Essa arquitetura é o que permite o funcionamento do Bitcoin, cujo valor de mercado é hoje de mais de US$ 750 bilhões.  

Mas o Bitcoin foi apenas um pontapé inicial da revolução das criptomoedas, e seus desenvolvedores passaram a olhar para a blockchain como uma tecnologia capaz de solucionar uma série de problemas que até então não haviam sido resolvidos, principalmente o da propriedade digital. 

A blockchain funciona como uma espécie de livro de registros inalterável, público e transparente, auditável e que, no caso do Bitcoin e outras criptos, opera em uma rede descentralizada de servidores que garantem a distribuição desses registros. Os dados são mantidos em sequências interligadas de blocos de informação, por isso o nome da tecnologia, literalmente “cadeia de blocos”, em inglês. 

O que ocorre é que, depois da revolução do Bitcoin, os desenvolvedores passaram a olhar de forma diferente para as potencialidades da blockchain e o que seria possível fazer com ela. Um desses desenvolvedores foi o próprio Gavin Wood, que junto com o russo Vitalik Buterin criou, em 2015, a rede Ethereum, que funciona como um tipo de concorrente do bitcoin, pois também possui uma moeda nativa chamada ether, que pode ser trocada por dinheiro governamental como o real ou o dólar.  

Mas a principal inovação, que está no centro da argumentação em prol da web3, foi a possibilidade implementada pelo Ethereum de registrar na blockchain de forma imutável os chamados “contratos inteligentes”. 

Esses contratos são capazes de intermediar uma série de relações digitais. Como, por exemplo, criar tokens que carregam informações específicas que podem estar associadas a uma obra de arte digital. Apesar de a criptoarte já existir antes do Ethereum, na blockchain do Bitcoin, os smart contracts foram essenciais para a democratização e decorrente explosão do mercado de NFTs, que, segundo o banco de investimentos Jefferies em seu mais recente estudo, deve chegar a um valor total de mais de US$35 bilhões em 2022, e até US$ 80 bilhões em 2025. 

Mas os contratos inteligentes não param por aí. É possível criar um uma série de ecossistemas em torno deles. Aplicações inteiras, redes sociais e outras organizações que em vez de dependerem do controle central de um grupo fechado de pessoas, podem se autorregular, graças às regras pré-estabelecidas nesses mesmos contratos. Esta é a chave para compreender a utilização da tecnologia da blockchain no que propõe a web3. 
 

Como isso se aplica à atual estrutura da internet

A web3 não é apenas uma promessa. Muitos apps já utilizam as inovações da blockchain como parte central do seu funcionamento, e a cada dia que passa, mais empresas, inclusive gigantes da web 2.0, como Twitter e Facebook, anunciam adesão à novidade.  

Um ponto importante a se considerar é que a blockchain não muda a maneira como os usuários acessam páginas online; o que ela traz é uma camada extra de informação que pode ser “acoplada” à atual estrutura vigente da rede mundial para trazer novas funcionalidades e possibilidades de uso.  

Ainda estamos vivendo os primeiros dias dessa integração, que começou a ganhar tração a partir de 2020, com a popularização dos marketplaces de NFTs como Rarible, OpenSea, Nifty Gateway, Foundation, SuperRare, KnownOrigin, entre outros projetos que passaram a integrar as funcionalidades da blockchain ao núcleo de seu modelo de operações.  

Um exemplo de como isso funciona é o marketplace de NFTs OpenSea. Para se cadastrar no site, seja como o comprador de NFTs ou como um artista, o usuário não mais insere informações pessoais para estabelecer um novo perfil como ocorria tradicionalmente em aplicações da web 2.0. Agora, é preciso uma carteira de criptomoedas – como a MetaMask –, que passa a ser o seu passaporte de identidade online. Ao sincronizar a sua carteira à plataforma, você está logado, e todas as interações feitas com a plataforma passam por autorizações feitas a partir da carteira. Por exemplo, antes de comprar um NFT, ou registrar um, é necessário aprovar a transação de um contrato, que permanece registrado na blockchain como prova de que aquela transação ocorreu. Por isso, os proponentes da web3 argumentam que esse modelo seria mais benéfico por empoderar usuários com um maior controle de toda a operação.  

E essa integração não se limita a uma única blockchain. Além da Ethereum, há várias alternativas como Solana e Tezos. Em sua última grande atualização, a Taproot, o próprio Bitcoin ganhou possibilidade ampliada de incorporar contratos inteligentes complexos aos seus blocos. 

Em vez de registrar suas informações pessoais, nome, e-mail, entre outras, você passa a sincronizar a sua identidade por meio de uma carteira que pode ser anônima. Assim, vale dizer também que a web3 é a web do anonimato, o que levanta simultaneamente as mesmas críticas direcionadas às criptomoedas, de facilitarem a propagação de golpes, e da dificuldade de rastrear criminosos online. 

Um outro exemplo de aplicação que já utiliza a blockchain para inovar em seus serviços é o BitClout, uma rede social que vem causando polêmica por conta da sua maneira de operar. Ela funciona como o Twitter, onde o criador pode publicar postagens públicas curtas para uma rede de seguidores. Mas o diferencial do BitClout é que ele integra uma lógica de investimentos em criptomoedas, onde cada criador tem um token que pode valorizar e ser negociado.  

A atriz norte-americana Pamela Anderson, por exemplo, aderiu à rede, depois de anunciar sua saída de todas as outras redes sociais tradicionais, como Facebook e Instagram. No BitClout, sua última postagem contém a seguinte mensagem: “As pessoas vão começar a entender o poder da descentralização mais e mais, a cada dia”. A moeda de Anderson, no momento do fechamento deste texto, valia cerca de US$ 1,183 mil. O valor total de mercado de seu token no BitClout era de pouco mais de US$ 123 mil.  

No BitClout, cultura de influência se mescla a especulação financeira, o que leva o pesquisador Ronaldo Lemos a chamar a ferramenta de “genial e demoníaca”, uma “distopia totalmente nova”. 

Hoje, centenas de dapps como o BitClout buscam inovar nesse espaço, numa corrida do ouro que lembra os tempos da web nos anos 1990.  

Mas não são apenas os novos projetos que tentam agarrar a oportunidade. Grandes empresas remanescentes da era da web 2.0 passam a integrar funcionalidades da blockchain a seus produtos, também. 

Recentemente, o Twitter anunciou uma integração com o OpenSea para validar fotos de perfil que são NFTs. Para isso, usuários precisam conectar a sua carteira digital ao Twitter, no melhor estilo web3. Mark Zuckerberg, CEO da Meta, também anunciou durante o festival SXSW que o plano da companhia é permitir que usuários levem seus NFTs para o Instagram, e possivelmente fazer até o registro (mint, no jargão web3) de novos tokens diretamente na plataforma.  

Dois cabos de conexão à Internet

Uma nova forma de estruturar a sociedade?

Então nós já vimos o poder da internet mudando a forma com que as pessoas se organizam, a maneira como as pessoas se conectam em grupos online e o impacto disso na vida real fora das redes de conexão digitais.  

Nesse contexto, a web3 propõe uma forma de estruturar essas relações de uma forma ainda mais organizada, e que transborda para a maneira como organizações se estruturam. De grupos de afinidade até clubes esportivos, empresas, coletivos.  

A web3 propõe que, por meio de sua estrutura de contratos inteligentes, seja possível criar organizações descentralizadas autônomas que têm como estatuto esses próprios contratos automatizados, e na forma de tokens de governança uma ferramenta para a autorregulação de seus participantes. São as chamadas DAOs, sigla que em inglês significa organizações autônomas descentralizadas.  

Por exemplo, um usuário que possui tokens de governança de um marketplace de NFTs que se estrutura como uma DAO pode ter influência em momentos decisivos dessa organização, como uma mudança de nome, ou de regras de funcionamento. Mais uma vez, esses tokens ficam armazenados em uma carteira digital, o passaporte de identidade desse cidadão que pode ser anônimo.   

Em uma estrutura tradicional, essas mudanças seriam validadas pelo topo da cadeia de comando da organização, seja um executivo-chefe, seja um board. Na DAO, o que ocorre é que essa decisão passa a ser definida por um coletivo que detém tokens daquele marketplace.  

Um exemplo é o da Flamingo DAO, organização coletiva descentralizada especializada no investimento em NFTs. Outro caso, ainda mais ousado, é o da Arrow DAO, que busca reunir especialistas da indústria aeroespacial para criar um novo modelo de desenvolvimento de aviões de transporte público, os chamados “táxis voadores”.   

Os proponentes mais fervorosos da web3 acreditam que essa será uma forma de diminuir a influência de grandes corporações de tecnologia do Vale do Silício na definição dos rumos da internet e da sociedade em geral. No limite, as DAOs podem ser a base de funcionamento de projetos, corporações, e até de uma sociedade inteira.  

A web3 é mesmo descentralizada?

Se essa ideia parecer futurista e utópica demais, você não está só. Atualmente, não faltam críticos da web3, da forma como ela é proposta pelos entusiastas do Ethereum e de outras blockchains capazes de estabelecer contratos inteligentes.  

Um dos pontos de questionamento é sobre o quão descentralizada seria a web3, principal ponto de oposição do novo paradigma ao antigo formato da web 2.0. 

O fundador do Twitter, Jack Dorsey, por exemplo, chegou a protagonizar uma briga pública com o investidor Andreessen Horowitz, famoso por cunhar a frase de que “o software está devorando o mundo”. Horowitz é um dos grandes patrocinadores de investimentos em projetos da web3 e seu defensor. Para Dorsey, o que ocorre é que no fim os supostos projetos descentralizados ainda estarão sob a esfera de influência daqueles que os financiaram num primeiro momento, como a empresa de Horowitz. O que muda, na visão de Dorsey, é que o poder passa de empresas como Facebook e Twitter para fundos de investimento privado.  

Scott Galloway, professor da NYU Stern School of Business, vai além. Ele acredita que o problema da centralização esteja em todo o ecossistema de criptos. “A [exchange] Coinbase fala sobre liberdade e quase todos os tweets que eles publicam. Eles alegam que há descentralização. Nenhuma autoridade central. No entanto, quando as coisas se tornam reais, eles decidem intervir e começar a bloquear transações”, disse Galloway. “Até acho que isso seja uma coisa boa. Mas que fique claro, isso não é algum tipo de governança descentralizada. No final do dia, eles intervirão e tomarão decisões em nome de todos nós”, afirma o professor, que vê nesse modelo uma “arma de entrincheiramento em massa”. “É uma recentralização, mais como um governo autocrático do que qualquer tipo de poder para a governança do povo.”  

Outra crítica é sobre a quantidade de valor que todos esses projetos da chamada web3 geram. Ainda que o mercado de NFTs esteja criando um novo mercado de arte digital que antes era incapaz de monetizar suas criações, muitos permanecem céticos. Um desses é o CEO da Tesla e um dos maiores inovadores da atual geração de empreendedores, Elon Musk. Em entrevista recente, Musk afirmou que, na visão dele, a web3 é “mais marketing do que realidade”, e que ele “não a entende”. Mas, em seguida, adotou um tom mais cauteloso, ao questionar que talvez o problema seja que ele está “velho demais” para entender a novidade. “Será que eu sou como uma daquelas pessoas que estavam falando mal da internet em 1995, dizendo que era uma moda ou algo que nunca ia dar em nada?”, questionou Musk.  

As ondas de inovações que marcaram as divisões na história sempre vieram cercadas de suspeita e ceticismo. Numa agora célebre entrevista de Bill Gates à TV americana em 1995, o empresário fundador da Microsoft explicava as vantagens da internet em relação ao rádio e outros meios enquanto era alvo de piadas do apresentador Dave Letterman e da plateia, descrentes do poder de transformação da web. Nesse caso, no fim, foi Gates quem riu melhor.  

Mesmo que a web3 não se saia exatamente como previu em 2014 Gavin Wood, ou seja, não transforme radicalmente a estrutura de poder da internet e da sociedade, os movimentos dos gigantes da indústria demonstram que essa é uma tendência que já ganha tração, no sentido de adotar soluções com blockchain, e que dificilmente será interrompida. Independentemente do nome a ser adotado, a nova criptoweb parece ter vindo para ficar.

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